Princípios do Direito Administrativo e a Indicação de Cidadão ao Supremo Tribunal Federal
- Raphael Spyere do Nascimento

- 8 de fev. de 2017
- 4 min de leitura
Atualizado: 25 de abr. de 2020

Cumpre, no limiar deste post, esclarecer que não é seu objetivo tecer críticas a Alexandre de Moraes, mas sim apreciar, do ponto de vista principiológico, a licitude da indicação de seu nome para prover a vaga de Ministro do Supremo Tribunal Federal, em vacância após o acidente aéreo de que foi vítima seu anterior ocupante, o Ex-Ministro Teori Zavasky, tragédia essa de grande repercussão na imprensa.
Nesse contexto, à luz do princípio da legalidade, não creio haver irregularidade como querem afirmar alguns. Isso porque, da análise da CF/1988, em seus art. 52, III, 'a' e art. 101, ao Presidente da República compete indicar o nome do cidadão que julga atender as condições legais para ascender ao Supremo. Tais exigências são esclarecidas na CF/1988, art. 101, caput, e são as seguintes:
a) Notável saber jurídico;
b) Reputação ilibada;
c) Mais de 35 e menos de 65 anos de idade.
Quanto ao notável saber jurídico, além de autor de consagradas obras jurídicas, Alexandre de Moraes (49 anos de idade) já exerceu, entre outras, as seguintes funções públicas: foi membro do Ministério Público de São Paulo, Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania (no mesmo Estado), bem como Presidente da Fundação do Bem-Estar do Menor - Febem/SP (atualmente, Fundação CASA); no plano Federal, foi membro do Conselho Nacional de Justiça - CNJ e Ministro da Justiça e Segunça Pública no atual governo Michel Temer (1).
E a despeito de existirem críticas no sentido de que esse respeitável currículo não é suficiente para demonstrar o notório saber jurídico exigido para se tornar Ministro da mais Alta Corte Brasileira, ou ainda, que o fato de Alexandre de Moraes conhecer diversos indivíduos delatados nas investigações da operação policial conhecida como “Lava-Jato" prejudica o reconhecimento de sua reputação ilibada, é certo que o Presidente da República, dentro de suas competências político-discricionárias auridas na CF/1988, no dia 06 de fevereiro de 2017, entendendo o contrário, indicou-o para provimento da vaga.
Todavia, apesar de legal, isto é, estar em estrita conformidade com o que expresso em lei, entendo que a indicação do nome do jurista em baila pelo Chefe do Executivo Federal apresenta indícios de ter finalidades particulares, portanto, interesses contrários aos que a lei disciplina como de interesse público e que devam se atendidos. Ao meu sentir, caracteriza Desvio de Finalidade ou de Poder, nos termos da alínea ‘e' do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 4.717/1965 - que disciplina as regras da Ação Popular, in verbis:
Lei nº 4.717/1965
(…)
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
(…)
§ único - Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
(…)
e) O desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.
Mas, por quê? Nunca antes no Brasil, havia se diagnosticado o quão elevado é o nível de corrupção sobre o qual se edificou sua Administração Pública (o que, em grande parte, teve como escopo os trabalhos investigativos realizados pelo Poder Judiciário, pelo Ministério Público e pelas Autoridades Policiais, aliados a capacidade da imprensa em disseminar as informações obtidas por meio das provas produzidas). Sabia-se existir a corrupção, mas não no patamar alarmante que vislumbra-se hoje: autoridades de todos os níveis de Estado, Federal, Estadual e Municipal, envolvidas em comportamentos do mais variados tipos e graus de lesividade e escárnio contra os interesses públicos, desde desvios descomunais de recursos públicos, até o já conhecido tráfico de influência e direcionamento de contratos administrativos.
Como consequência disso, a sociedade brasileira está discrente, incrédula. Não acredita mais haver, verdadeiramente, finalidade de interesse público nas atividades desenvolvidas pelo Estado a partir de seus agentes políticos. É como se cada conduta perpetrada pelos agentes do Estado fossem, no fundo, desempenhadas para atendimento de interesses privados, de terceiros, com desvio de fim e em total descaso com os interesses públicos (que frise-se, são indisponíveis!).
Devido as posições controvertidas assumidas por Alexandre de Moraes ao longo do exercícios de suas atribuições como agente político é que, mais uma vez, coloca-se em cheque a impessoalidade e moralidade administrativa do Presidente da República na indicação do nome do referido jurista ao STF. Inevitavelmente, diante de tudo que foi explicado, surge a indagação: não estaria o Chefe do Executivo escalando o referido jurista para, junto ao STF, prestigiar interesses contrários aos públicos, em mais um exemplo de tráfico de influência? Não teria sido mais adequado indicar outra autoridade escoimada dessas características, como forma até de recuperar a credibilidade do Poder Público junto a população?
Em apertada síntese sobre os princípios apresentados, entende-se por impessoalidade o dever imposto aos agentes públicos de não imprimir aspectos particulares aos seus trabalhos, no exercício de suas atribuições. Isso porque, suas atribuições devem ter como finalidade a satisfação dos interesses públicos. E esse fim legal, adverte Hely Lopes (2009, pg. 93) “é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal” (2). Por seu turno, a moralidade administrativa, expressamente prevista na CF/1988 (art. 5º, LXXIII e art. 37, caput), impõe aos agentes do Estado, na ocasião de suas ações públicas, realizar um juízo valorativo para discernir o comportamento “certo" do “errado”, “bom" do “mau”, sempre tendo como fim último a satisfação dos interesses públicos. Para tanto, o agente deverá empregar padrôes éticos, de bons costumes e de tradições, assimilados e difundidos junto aos demais agentes públicos. Compreende os ideais de honestidade, probidade, mas não se confunde com a moral comum. A lesão a qualquer um desses primados é causa de nulidade do ato.
Como a nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal é exemplo de ato complexo, sua formação/elaboração dependerá da sabatina pelo Senado Federal (CF/1988, art. 52, III, ‘a’), Casa que tem a prerrogativa, dentro de suas competências para o exercício do controle externo político-legislativo, de rejeitar a indicação em estudo. Entretanto, acaso venha a ser aprovada pelo Senado, uma vez realizada a nomeação, caberá Ação Popular contra o provimento da vaga no STF, diante dos fundamentos ora explicados e que precisarão ser confirmados pelo Poder Judiciário, no exercício do controle externo judicial de ilicitude, por ofensa aos princípios da Administração, com destaque para impessoalidade e moralidade, rendendo anulação (circunstância similar ao caso da nomeação de Luiz Inácio Lula da Silva como Chefe da Casa Civil, apreciado pelo Poder Judiciário no ano de 2016).
Referências:
http://lattes.cnpq.br/2083768829536427
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo, 35ª Ed. Malheiros, 2009.




Comentários